sábado, 10 de outubro de 2009

Em Defesa do Ateísmo (Cristão)

Me passaram hoje um link muito interessante: o jesuíta Ryan Duns (e tenho uma simpatia declarada por vários pensadores jesuítas) escreveu dois artigos defendendo o ateísmo não-radical, bem elaborado e que defende valores humanos, o que ele chama de ateísmo cristão.

Para quem sabe ler em inglês é uma excelente recomendação, quer concorde com ele ou não. No mínimo é um ponto de vista incomum se comparado com a maioria que costumamos ver/ouvir/ler por aí:

http://ryandunssj.blogspot.com/2009/04/return-to-christian-atheism.html

http://ryandunssj.blogspot.com/2007/03/in-defense-of-christian-atheism.html

Se alguem animar de fazer uma tradução postaremos aqui.

Eu mesmo tenho minhas reticências com relação ao que ele diz. De modo geral fico realmente muito contente que existam cristãos convictos que compreendem bem o ateísmo e não querem combate-lo, pelo contrário, querem combater a ignorância e esse caminho se cruza com o de muitos ateus.

Mas discordo que o ateísmo humanista possa ser chamado de cristão, já que os valores que ele associa com o que Cristo pregou são bem anteriores a este profeta e muitas outras coisas ditas por Cristo não condizem em nada com essa visão humanista do ateísmo que ele menciona.

Enfim, já me excedi, porque não quero elaborar de fato um post sobre isso, deixarei que cada um leia e emita sua opinião.

Abraços


por Sampaio

9 comentários:

  1. Sampaio,

    Me parece que o cerne dessa discussão toda é o humanismo. Este sim, parece ser a pedra fundamental sobre as crenas, religiosas ou não, devem ser erigidas, sob a pena de serem vistas como "incoerentes".

    O ateu pode até mesmo aceitar o cristianismo, desde que este seja secularizado como uma proposta humanista. Isso é irônico, porque indica que a grande mola impulsionadora do ateísmo é na verdade o desejo de emancipação do homem e a crença na auto-redentividade por meio do uso da razão.

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  2. "Este sim, parece ser a pedra fundamental sobre as crenas, religiosas ou não, devem ser erigidas, sob a pena de serem vistas como "incoerentes"."

    Na verdade serem vistas como danosas. Mas se resolverem adotar uma outra vertente que se mostre justificável, devemos estar abertos a pensa-la. Não existe Verdade que mereça uma condição de inquestionável.

    "O ateu pode até mesmo aceitar o cristianismo, desde que este seja secularizado como uma proposta humanista. "

    Depende do que vc entende por "aceitar o cristianismo". Eu mesmo acredito que o pensamento supersticioso é algo danoso per se, sem precisar de instituições ou propostas desumanas para isso.

    "Isso é irônico, porque indica que a grande mola impulsionadora do ateísmo é na verdade o desejo de emancipação do homem e a crença na auto-redentividade por meio do uso da razão."

    Novamente, depende do que vc entende por "emancipação do homem" e também por "auto-redentividade". Prefiro não trabalhar com o conceito de redenção devido a carga mística (e até mesmo moral) que a história do emprego deste significante carrega. Se compreendi o que disse, acho que algo mais adequado seria falar no desejo de que o homem "aprimore" (relativismos a parte) sua capacidade e qualidade de viver e conviver.

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  3. "Não existe Verdade que mereça uma condição de inquestionável." O mito.

    "Eu mesmo acredito que o pensamento supersticioso é algo danoso per se, sem precisar de instituições ou propostas desumanas para isso." Por quê? Acreditar no unicórnio é danoso para o semelhante? mesmo abstendo a instituição?

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  4. Concordo com o autor e com Janos: o cerne da questão é o humanismo. Na fé cristã ele é presente e fundamental, mas sob uma ótica diferente do humanismo laico.

    Não que não tenham pontos coincidentes; são justamentes estes pontos ressaltados pelo autor que aponta não que o ateísmo deva ser apoiado pelos cristãos, mas que valores que alguns ateus pregam e são valores cristãos sejam reforçados.

    Eu acho relevante opor-se ao ateísmo. Percebam, ao ATEÍSMO, não aos ateus. Acho importante debater este assunto e demonstrar, por debates e principalmente por EXPERIÊNCIAS, que o ateísmo, mesmo sendo talvez (e apenas talvez) a posição científica mais adequada, não é necessariamente a posição correta, a mais humana e muito menos uma Verdade.

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  5. Pedro,

    "Não existe Verdade que mereça uma condição de inquestionável."

    Isso é uma Verdade inquestionável para você?

    Segundo Cassirer, em Filosofia do iluminismo, Voltaire não se voltou contra a fé, mas contra a superstição, entretanto a geração seguinte não se deterá nessas distinções. O enciclopedismo francês declara guerra aberta à religião, à sua validade, à sua pretensa verdade. Esta teria freado o progresso intelectual, e não foi capaz de fundar uma verdadeira moral, uma ordem política e social justa. Retiraria a força humana para tomar o destino em suas próprias mãos.

    Portanto ao negar a superstição você não nega a fé. Ao contrário.

    Se eu invés do termo "auto-redentividade", você preferir dizer poder para melhorar as condições de vida por meio da aplicação de trabalho (capital) e ciência, então não modifica em nada o que eu disse. Ao contrário, é exatamente isso que eu tinha em mente.

    Coscarelli,

    Nossa discordância é política e fundamental, uma vez que eu rejeito completamente o cristianismo humanista. Eu compreendo que essas idéias foram reforçadas pelo Concílio Vaticano II, porém o fato é que eu sou totalmente contra tudo que foi escrito ali, considerando que a igreja católica se afastou de tudo que eu posso conceber enquanto fé cristã. Os chamados "valores ateus" da sociedade moderna, para mim, são na verdade valores anti-cristãos. Creio que a relação entre uma coisa e outra se deu pela redução do significado da mensagem cristã à ética. Isso permitiu que a igreja mantivesse seus fieis, ainda que esses estivessem cada vez menos interessados em Deus, e cada vez mais interessados nos seus próprios problemas históricos, sociais, econômicos e ambientais.

    A questão para mim não é apontar a posição mais HUMANA. Mas o contrário, apontar o erro de sempre priorizarmos o humano.

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  6. "Isso é uma Verdade inquestionável para você?"

    Não. Se um dia tivermos motivos para pensar o contrário, que seja.

    "Portanto ao negar a superstição você não nega a fé. "

    Na verdade penso o oposto e acho fé e superstição indissociáveis. Me parecem a mesma coisa e inclusive estou em vias de publicação de um artigo que aborda isso, chamado "Comportamento Religioso", que pretendo inclusive postar aqui tb.

    E não li nenhum argumento do pq são diferentes além de "Voltaire atacou religião, não a fé", o que não me diz rigorosamente nada.

    "A questão para mim não é apontar a posição mais HUMANA. Mas o contrário, apontar o erro de sempre priorizarmos o humano."

    Deveríamos priorizar o quê? O divino, que sequer existe e, mesmo se eu utilizasse sua visão de que existe (que continua absolutamente falsa, injustificável, patentemente supersticiosa - não houve nada além de "eu sinto" e "eu sei" e variáveis), não é objeto e não interage, logo também não sofre alterações, logo, qual a valia de prioriza-lo?

    Ora, priorizemos o que temos! O humano, o mundo, qualquer coisa que não um investimento imaginário.

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  7. Ricardo, quase deixo sua questão passar. Acho ela fundamental.

    Sim, acho o pensamento religioso prejudicial per se. Irei abordar isso em um post próximo (possívelmente o próximo). Por enquanto vale um aforismo do Feuerbach (que inclusive era teólogo...):

    “Sempre que a moralidade baseia-se na teologia, sempre que o correto torna-se dependente da autoridade divina, as coisas mais imorais, injustas e infames podem ser justificadas e estabelecidas.” Feuerbach

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  8. Pedro,

    "Ora, priorizemos o que temos! O humano, o mundo, qualquer coisa que não um investimento imaginário."

    Você parte de um ponto de vista inegociavelmente humanista.

    Acho que estudar Feuerbach é o melhor a fazer para você. Pois aí você pode usar um argumento teológico, partindo de uma teologia humanista. Por isso mesmo Karl Barth escreveu o prefácio de Essência do cristianismo, de Feuerbach. A tese de Feuerbach está correta. Ela é válida para o deus de Feuerbach, que é o ego hipostasiado do homem. Depois de ler este autor, basta que você se mova para além dele, lendo seus críticos.

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